
A cirurgia plástica e o Transtorno Dismórfico Corporal
Fonte: Revista Brasileira de Cirurgia Plástica – http://www.rbcp.org.br/
O TDC é uma das condições psiquiátricas mais comuns encontradas em pacientes que procuram a Cirurgia Plástica.I
A maioria dos pacientes com o transtorno dismórfico corporal (TDC) busca inicialmente cirurgiões plásticos, em vez de procurar tratamento com psiquiatras, ou psicólogos, porque sofre com o defeito percebido em sua aparência e não acredita que se trata de um transtorno mental. Esses pacientes são vistos, por seus familiares e amigos, como vaidosos e como um reflexo de uma sociedade cada vez mais preocupada com a aparência. Frequentemente, pacientes são reconhecidos por cirurgiões plásticos como tendo uma alteração psicológica, depois de tomar um longo tempo tentando mostrar a presença de um defeito estético, que não é observável ou que é pequeno, durante a consulta. O cirurgião plástico pode então ser tentado a dizer a esses pacientes que seus problemas físicos são leves ou inexistentes e que a cirurgia estética seria contra-indicada. No entanto, o cirurgião plástico pode encaminhá-los para tratamento psicológico; caso contrário, esses pacientes vão procurar outros cirurgiões plásticos, que eventualmente poderão operá-los. Alguns pacientes com sintomas leves de TDC podem beneficiar-se com uma cirurgia estética, mas de uma maneira geral pacientes com TDC ficam insatisfeitos com o resultado cirúrgico. Assim, a partir desta revisão, os cirurgiões plásticos terão uma perspectiva diferente sobre o sofrimento subjetivo experimentado por pacientes com TDC e poderão atender esses pacientes de forma mais adequada.
Os padrões estéticos de beleza moldam pensamentos que, por um lado, levam a um aumento da demanda por cirurgias plásticas e, por outro, à discrepância entre o que é concebido como ideal e a realidade pessoal. Assim, a procura por procedimentos nessa especialidade médica pode ser uma estratégia adaptativa numa cultura que valoriza a aparência física1.
Já foi demonstrado que pacientes se beneficiam com a Cirurgia Plástica, apresentando melhoria na qualidade de vida, autoimagem e autoestima no pós-operatório2.
Entretanto, a percepção de um defeito ou falha na aparência física pode contribuir para o desenvolvimento de um transtorno mental em indivíduos que apresentam vulnerabilidade neurobiológica e fragilidade psíquica. Isto ocorre quando não apenas a insatisfação corporal está presente, mas também o distúrbio da imagem corporal3. Assim, uma preocupação excessiva com a aparência pode esconder traços psicopatológicos que nem sempre são fáceis de reconhecer, podendo envolver, se negligenciada, consequências iatrogênicas e médico-legais4.
O TDC é uma das condições psiquiátricas mais comuns encontradas em pacientes que procuram a Cirurgia Plástica5. Apesar de ser um transtorno mental comum, a prevalência do TDC em diferentes populações revela que, seus sintomas são ainda de difícil reconhecimento na prática médica. Com o crescimento do número de indivíduos que buscam a cirurgia estética, a identificação do TDC será feita, em sua maioria, por cirurgiões plásticos e não por psiquiatras6,7. Por essa razão, torna-se importante desenvolver mecanismos para identificar esta doença entre os pacientes e verificar se a Cirurgia Plástica seria ou não contraindicada para essa população7. Além disso, a Cirurgia Plástica constitui um ponto de observação privilegiado para o estudo da imagem corporal, uma vez que, a insatisfação com a imagem corporal é uma das características essenciais do TDC.
O TDC pode manifestar-se, inicialmente, na infância e adolescência, um momento em que as pessoas geralmente são mais sensíveis e suscetíveis às mudanças com a aparência, e após a menopausa, mas pode ocorrer na vida adulta e que, embora exista em idosos, há poucos estudos nessa faixa etária. Em alguns casos, pode surgir mais tarde da vida, frequentemente após um evento traumático28.
A procura por procedimentos em Cirurgia Plástica
Indivíduos com TDC frequentemente procuram a Cirurgia Plástica para corrigir defeitos percebidos e reduzir a insatisfação extrema com a aparência física22. A falta de consciência do estado mórbido pode levá-los a um estado delirante9. Isto pode explicar a insatisfação de muitos desses pacientes com o resultado de procedimentos cirúrgicos e seus frequentes pedidos por cirurgias adicionais. Esses pacientes também são conhecidos como pacientes insaciáveis, pacientes psicologicamente alterados, ou viciados por intervenções cirúrgicas múltiplas e pacientes de “rinoplastia com síndrome psiquiátrica”11,30.
No entanto, a Cirurgia Plástica pode ser um dos tratamentos recomendados para alguns desses pacientes, especialmente para aqueles com sintomas de TDC leves a moderados 7,18,31,32.
Dificuldade da aplicação dos critérios diagnósticos do TDC em Cirurgia Plástica
O grau de angústia e sofrimento pode variar e comprometer de maneira diferente a qualidade de vida de cada indivíduo, sendo, portanto, o mais importante para ser avaliado em pacientes de Cirurgia Plástica3. Graus de comprometimento comportamental e angústia emocional parecem ser indicadores mais precisos de TDC em pacientes de Cirurgia Plástica, independentemente da gravidade da aparência física3.
A expressão da insatisfação corporal na contemporaneidade pode estar mais frequentemente associada a preocupações com o peso e forma corporal do que às preocupações clássicas que caracterizam as queixas do TDC, em que, a insatisfação não costuma ser tipicamente expressa em termos de peso e forma corporal37.
Aspectos do TDC na prática clínica do cirurgião plástico
Indivíduos com TDC podem revelar um discurso e comportamento adequados em frente ao médico, numa anamnese breve e vaga. Entrevistas são importantes porque determinam se os defeitos percebidos na aparência são inexistentes (não observáveis aos outros), ou são apenas pequenas falhas sobrevalorizadas; se as preocupações com o peso são um sintoma do TDC ou um transtorno alimentar e se, o grau de sofrimento resultante da preocupação com a aparência, é clinicamente significante. Além disso, a identificação de características específicas, como risco de suicídio, grau de insight e a presença de alexitimia (dificuldade de certos indivíduos com preocupações dismórficas em identificar e descrever sentimentos), pode ser uma forma de melhor conceitualizar o TDC e otimizar estratégias de atendimento e tratamento. Os sinais e sintomas que indicam a presença de risco de TDC e que podem ajudar cirurgiões no processo de tomada de decisão na seleção de pacientes para a cirurgia estética estão listadas na Quadro 2.
Os pacientes devem ser convidados a falar sobre as razões que os levaram a buscar um procedimento em cirurgia plástica. Os pacientes deveriam ser encorajados a usar suas próprias palavras para falar e descrever o defeito percebido. Pacientes que podem articular seus problemas de forma realista e descrever suas motivações e expectativas, não são susceptíveis de sofrer de TDC.
Embora tratamentos estejam disponíveis especificamente para TDC ou para sintomas de comorbidade, há uma série de obstáculos para a sua aplicação efetiva. Muitas pessoas com TDC têm depressão, o que as torna desmotivadas para trabalhar para a recuperação38.
Desta forma, se por um lado o grau de sofrimento desses pacientes é uma motivação para a procura de um tratamento estético cirúrgico, ou de saúde mental, por outro lado é também o que pode afetar tanto o grau de percepção, quanto de adesão a esses tratamentos. Embora estes pacientes sejam difíceis de tratar, o TDC é uma condição tratável17. Portanto, um diagnóstico mais amplo permite a investigação de transtornos heterogêneos e a determinação mais precisa das diferenças clínicas entre pacientes, facilitando a identificação de fatores de risco e o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes, que podem incluir o tratamento cirúrgico7.
Cirurgia Plástica em pacientes com TDC
Segundo a nossa experiência clínica, a presença de TDC não é um critério de exclusão para a cirurgia plástica7, e alguns pacientes com TDC podem se beneficiar com procedimentos estéticos cirúrgicos 31,32. Instrumentos de diagnóstico e a classificação do grau de gravidade do TDC (Quadro 3) podem fornecer informações para ajudar os cirurgiões a decidir se devem ou não operar.
Pacientes com sintomas subclínicos do TDC que não preenchem todos os critérios do DSM-5 para TDC, ou que, apesar dos sintomas, não apresentam prejuízo significativo no funcionamento global, podem ser submetidos a tratamentos estéticos e cirúrgicos. No entanto, pacientes que preenchem todos os critérios do DSM-5 para TDC e apresentam comportamentos de esquiva, incluindo evitação de situações públicas e sociais, o contato físico, e atividades físicas devido à preocupação com a aparência, não devem ser submetidos a tratamentos cirúrgicos.
Tratamento para TDC
O tratamento para o TDC, provavelmente, incluirá uma combinação de terapias. Segundo as orientações práticas de tratamento do United Kingdom’s National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) e um estudo recente, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a farmacoterapia baseada em inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) são recomendados como tratamentos de primeira linha para o TDC41,42.
Avaliação da imagem corporal
A característica fundamental do TDC é a resposta emocional negativa à percepção visual de partes do corpo, as quais o indivíduo acredita estarem deformadas. O impacto negativo no funcionamento psicossocial, associado à redução da qualidade de vida e à alta taxa de suicídio fazem parte do quadro em populações clínicas7,15.
Um grau de investimento e importância excessivos com a imagem corporal são características em pacientes com TDC. Todavia, para que sejam satisfeitos os critérios diagnósticos para TDC, um indivíduo deve apresentar não apenas um grande investimento com a aparência, mas também uma avaliação negativa da imagem corporal associada a extremo sofrimento. As respostas emocionais mais frequentes em relação à própria aparência física são vergonha, aversão, nojo, ódio e ansiedade.
Indivíduos com TDC podem sentir-se atraentes, entretanto não o suficiente. Por isso, esses pacientes apesar de perceber melhora após uma intervenção cirúrgica, não ficam suficientemente satisfeitos. A crença de que “sempre poderão melhorar” pode provocar nestes indivíduos um comportamento aditivo, numa busca incansável por procedimentos estéticos e cirúrgicos. Além disso, a satisfação com o resultado pode parecer efêmera, quando alguns destes pacientes elegem outra região do corpo ou um outro comportamento compulsivo, como o uso de álcool, ou cannabis, como foco de atenção e preocupação excessivas34.
Este fato mostra, essencialmente, que a principal característica desses pacientes é a insatisfação corporal e que pode não ter qualquer relação com o resultado da cirurgia7. Em casos mais graves do TDC, os pacientes apresentam uma queixa vaga, como uma sensação de feiura18. Uma vez que características perfeccionistas estão presentes em uma série de outros transtornos mentais como depressão, anorexia, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e ansiedade social, estabelece-se a ideia de que o perfeccionismo está associado à psicopatologia45.
Sintomas clínicos do TDC versus déficits neurocognitivos
Pacientes com TDC apresentam maior acurácia na apreciação e harmonia estética e sensibilidade perceptual, emocional e de avaliação, ligada às alterações da aparência. Esses indivíduos se focam em características específicas que consideram feias, ignorando características mais atraentes. Isto pode explicar porque alguns pacientes ignoram o defeito observável aos outros e apontam um outro defeito que percebem, assinalando características específicas da percepção no TDC28. Indivíduos com TDC perdem o contexto do todo, em função do detalhe15.
O grau de preocupação pode ser avaliado no tempo gasto pelos pacientes com a aparência; isto afeta a percepção do defeito físico, o qual é sobrevalorizado em pacientes com TDC. O nível de preocupação é considerado excessivo quando o tempo consumido com a aparência é superior a três horas diárias9,44. Desta forma, as estratégias inadequadas de lidar com pensamentos e emoções são expressões do investimento e avaliação da aparência, ou da sua hipervalorização.
Os pacientes respondem à extrema preocupação e angústia em relação à aparência física com comportamentos de checagem, incluindo comparação com os outros, excessive grooming, reasseguramento de preocupações em relação ao defeito percebido, inspeção de áreas corporais e uso do espelho. Comportamentos de esquiva também são observados na utilização do espelho, nas estratégias de camuflagem, ou mudanças de postura, para esconder ou desviar a atenção do defeito percebido, em situações públicas e sociais, no contato físico, ou em atividades ao ar livre.
As estratégias de camuflagem variam de acordo com a região do corpo com a qual o indivíduo está insatisfeito. Assim, pode involver a cor e o tipo de roupa, bem como acessórios (bolsas) para esconder a região abdominal, ou maquiagem, bronzeamento, mudanças de roupa ao longo do dia, ausência de óculos de grau, uso de óculos escuros, máscara cirúrgica ou piercing (para ofuscar o tamanho e forma do nariz), penteados para disfarçar o defeito percebido e, o uso de boné, ou touca em mulheres. A cabeça sempre baixa, o uso da mão, a extrema preocupação como o melhor ângulo de perfil, bem como a inibição, ou até mesmo evitação do sorriso são alterações de postura, para disfarçar o defeito percebido, em pacientes que desejam alterar a face. Geralmente, não aceitam tirar fotos, revelando nesse comportamento a rejeição da própria imagem. As estratégias de camuflagem são indicadores importantes do nível de preocupação em pacientes com TDC.
Em comportamentos extremos, como os chamados DIY (Do it yourself), o paciente tenta alterar de forma dramática a própria aparência na tentativa de corrigir o defeito percebido18,46. Como o skin picking, DIY pode ser observado em alguns casos graves do TDC e pode incluir o uso de superbonder (cianoacrilato), esparadrapo e pregadores de roupa para “afinar” o nariz, tentativas de realizar a própria cirurgia e exposição excessiva do corpo a tipos de bronzeamento natural e artificial. Estes comportamentos podem, igualmente, ser considerados autoagressivos, pelo grau de sofrimento físico infligido ao corpo. Tipos de comportamentos semelhantes, que caracterizam automutilações deliberadas, foram descritos por Chan et al.48. Embora, geralmente, a intenção dos pacientes seja idêntica, o tipo de intervenção no corpo pode variar revelando graus de gravidade da doença. O fato é que, no final, estes pacientes precisam passar por tratamentos dermatológicos, ou por correções cirúrgicas, tornando-se para alguns, o principal propósito da conduta autolesiva.
Comorbidades
Indivíduos que procuram a Cirurgia Plástica frequentemente apresentam transtornos psiquiátricos como o TDC, transtorno de personalidade narcisista e transtorno de personalidade histriônica5,17.
TDC pode ser prevenido?
Não há maneira conhecida para prevenir o TDC. No entanto, o diagnóstico precoce
e tratamento após o início dos sintomas do TDC pode ser útil. Ensinar e
encorajar atitudes saudáveis e realistas sobre a imagem corporal também pode
ajudar a prevenir o desenvolvimento ou agravamento dos sintomas do TDC. Além
disso, um ambiente de compreensão e apoio pode contribuir para reduzir a
gravidade dos sintomas e ajudar uma pessoa com TDC a lidar melhor com o
transtorno.
Related Posts
O sono das pessoas com deficiência visual
Os sujeitos com deficiência visual severa apresentam uma incapacidade de iniciar...
O impacto do sono (ou da falta dele) no processo de aprendizagem.
A onipresença de luzes, televisores e celulares, bem como a velocidade frenética...
Uma análise psicológica de pessoas que “escolhem” a infelicidade
Durante trinta anos trabalho com pessoas com dificuldades diversas que vão ao...
Protegido: Como está sua ansiedade com a pandemia…?
Não há resumo por ser um post protegido.