
Para ser uma pessoa trans precisa fazer cirurgia?
Quando nasceu, o filho da cantora Gretchen foi identificado como pertencente ao gênero feminino. Entretanto, ao crescer, Thammy Miranda mostrou que tem identificação com o gênero masculino. Desde então passa por um processo transexualizador que engloba tratamento com hormônios e até cirurgias para adequação do corpo biológico à identidade. Thammy, que é chamado de homem trans, não está sozinho nesse processo.
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde, em função do Dia Nacional da Visibilidade Trans, indicam que o atendimento ambulatorial para pessoas transgêneras no Brasil teve um aumento de 32% entre 2015 e 2016. As mudanças corporais através de cirurgia de redesignação sexual (popularmente chamada de mudança de sexo) também tiveram um crescimento.
E para ser uma pessoa trans precisa fazer cirurgia? A médica endocrinologista Luciana Barros Oliveira, que está à frente do projeto de criação do ambulatório transexualizador do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), explica que a pessoa transexual não precisa necessariamente passar por procedimentos cirúrgicos para ter sua identidade definida como homem trans, mulher trans ou travesti.
Essa é uma área de estudos que tem muita mudança. Se você pegar as definições tradicionais a transexualidade é uma questão de reconhecimento de identidade e teoricamente indicaria a obrigatoriedade de fazer cirurgias. Mas, nos entendimentos de hoje, uma pessoa que se identifique com o gênero oposto ao que foi identificada ao nascer é transexual mesmo que não faça nenhuma cirurgia. Contudo, a maior parte das pessoas trans e travestis fazem o acompanhamento hormonal, ressalta.
Por cinco anos, a trans feminina Paulett Furacão juntou silenciosamente dinheiro para realizar o sonho de poder se olhar no espelho e se enxergar como realmente ela é. Foram R$ 10 mil, reunidos com muito sacrifício, para fazer a cirurgia de adequação de gênero nas mamas. Quando me olhei no espelho nem acreditei de tanta emoção. Sinto que o espírito está voltando para o corpo, conta Paulett, que é do bairro do Nordeste de Amaralina, em Salvador.
Estudante de pedagogia e homem trans, Tito Carvalhal ressalta que há muitas polêmicas e questionamentos envolvendo as cirurgias para pessoas trans por pressões da sociedade. A gente escuta os mais diversos discursos sobre isso. Quando você fala que quer fazer intervenção e se hormonizar as pessoas vêm com um discurso camuflado de cuidado com a saúde dizendo que pode ser arrepender e que é uma mutilação do corpo. Mas, ao mesmo tempo uma pessoa cis (que se identifica com o gênero atribuído ao nascer) pode fazer qualquer alteração no corpo que é super de boa.
Processo transexualizador
De acordo com o psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulatório de Transtornos de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC) em São Paulo, a chamada transição é a mudança pela qual a pessoa trans passa. O final do processo pode ser, em alguns casos, a cirurgia de transgenitalização ou redesignação sexual. Não tem diferença no tempo de tratamento e acompanhamento entre homem e mulher trans. O conselho Federal de medicina tem uma resolução e a portaria do Sistema Único de Saúde (SUS) estabelece o acompanhamento por, no mínimo, dois anos antes de liberar a pessoa para fazer a cirurgias [pagas pelo ministério]. É muito raro o paciente ficar só dois anos e ir para cirurgia. Geralmente, pelo restrito número de acontecimentos cirúrgico, as pessoas esperam 5 ou 10 anos. O número é muito pequeno. No estado de São Paulo são 24 novas cirurgias por ano. E a gente tem uma fila de quase 600 pacientes.

Apesar do SUS oferecer as cirurgias só há alguns anos, há somente 9 ambulatórios no Brasil onde são feitos os procedimentos o que leva muitas pessoas trans à clandestinidade e riscos durante os procedimentos. Eu injetei silicone industrial no meu corpo durante muitos anos de forma clandestina. Infelizmente não tive dinheiro para fazer isso de forma assistida por um profissional e acabei ficando com várias complicações. Eu sobrevivi, mas tenho várias amigas que morreram tentando deixar o corpo do jeito que elas queriam”, conta uma travesti, que prefere não ter o nome divulgado.
Solidariedade
As amigas Veridiana Melo Ribeiro e Cibelle de Oliveira Montini fizeram, nos anos 2000, a cirurgia de redesignação sexual [popularmente conhecida como mudança de sexo]. Desde então elas são sempre acionadas por outras mulheres que desejam fazer o mesmo procedimento. Motivadas pelo tempo de espera na fila para conclusão do procedimento – em alguns casos até dez anos – elas tiveram a ideia de criar um grupo para ajudar a realização do sonho da cirurgia.
Chamado de Mulheres do Terceiro Milênio (MTM), o grupo que está no Facebook organizou um bolão, arrecadou R$ 45 mil e realizará, em fevereiro, o sonho da cabeleireira Luciana Moraes, de 28 anos. Ela viajará para a Tailândia para realizar a cirurgia. “Comecei minha transição com 22 anos mas sempre fui Luciana. Quando se nasce não é uma escolha ser quem a gente é. Abri mão de muitas coisas para poder ser livre e feliz”, conta Luciana, que atualmente mora em Osasco, no interior de São Paulo.
Luciana diz que a cirurgia servirá para ‘adequar o corpo à alma’. “Eu esperava por esse momento há alguns anos e graças à união das meninas do MTM. Vou poder ter corpo alma e mente em sintonia e também em harmonia. Já faço parte do grupo há três anos e mais do que o bolão lá também tem muita troca de experiências das meninas que já passaram ou que querem passar pela cirurgia. Veridiana, uma das organizadoras do grupo ressalta que a CRS não se trata de estética, mas sim de extrema necessidade para essas mulheres que sofrem muito por essa desarmonia do corpo com a mente

Patologização
Atualmente, o Conselho Federal de Medicina estipula 18 anos de idade com mínima para hormonioterapia (ou hormonização, como alguns profissionais preferem chamar) e 21 anos para realizar qualquer cirurgia. Diferente dos homossexuais, em geral, as pessoas trans buscam a medicina para mudanças.
O diagnóstico da mudança é fundamental. Muitos movimentos sociais falam que diagnostico é ligado à doença. Mas não é necessariamente assim. Para qualquer intervenção em medicina é necessário diagnóstico. No diagnóstico “ o Cadastro Internacional de Doença (CID)- está dentro da psiquiatria. Na classificação psiquiátrica americana está como disforia de gênero. Porque nós, psiquiatras, temos mais proximidade com a sexualidade humana e um olhar mais apurado para diferenciar a transexualidade propriamente dita. Nunca foi visto como uma doença. Está dentro do manual, do catálogo, mas não necessariamente é uma doença, como tantas outras variações que estão lá dentro. É o caso, por exemplo, do transtorno de personalidade e das questões de desenvolvimento infantil: não são doenças, são variações, assim como a transexualidade, opina Saadeh.
No caso do homem trans, a principal cirurgia é a mastectomia masculinizadora. A retirada de órgãos internos pode ser importante por conta dos hormônios. Já a neofaloplastia, que é a cirurgia de construção do novo pênis e é feita normalmente de forma experimental. Já nas mulheres trans, as mais comuns são as plásticas mamárias, inclusão da prótese de silicone e a tireoplastia (cirurgia que permite a mudança no timbre da voz).
Atendimento público
Em nota, o MS informou que ampliou a assistência para a população trans e travesti em todo Brasil, com a habilitação de novos serviços ambulatoriais
O SUS realiza desde 2008 cirurgias de redesignação sexual (portaria GM/MS nº 1.707, de 18 de agosto de 2008) para a população transexual. O processo de transexualização envolve uma série de procedimentos de saúde que vão desde acompanhamento psicológico, terapia hormonal até a cirurgia em si, se o paciente desejar fazer, informou o MS, em nota enviada ao Me Salte.
Esse ponto da norma do MS é questionado por organizações e movimentos sociais pois, para a liberação da cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é exigido que haja um Código Internacional de Doença (CID) que classifica a transexualidade como transexualismo e identifica como sendo um transtorno psiquiátrico. Segundo o técnico da Sesab, atualmente, há um atendimento ambulatorial em Salvador que funciona como assistência aos tratamentos hormonais. O atendimento acontece no Centro Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (Cedap), no Garcia, e oferece além do tratamento hormonal o serviço social, médico, psicológico e endocrinologista.
Cuidar
para acolher
Responsável pelo projeto-piloto que oferece
atendimento clínico e gratuito a transexuais e travestis no 14º Centro de Saúde
Mário Andréa, nas Sete Portas, o médico Fernando Meira ressalta que muitos
profissionais de saúde não têm tato para lidar com pessoas que não sigam a
lógica binária estabelecida pela sociedade, o que prejudica os cuidados dessas
pessoas e acesso à saúde.
Hoje existe a classificação internacional de doenças que ainda usa o termno trasnsexualismo como sinônimo de transtrornos psiquiátricos. os movimentos sociais lutam para despatologizar o termo. A sugestão é trocar o uso de transexualismo e colocar outras identidades de gênero no capítulo do código que fala de “outras condições de saúde”. Com relação aos cuidados de saúde, fazendo uma comparação a transexualidade é como se fosse uma pessoa grávida. Não é uma doença, mas exige cuidados específicos, esclarece.
Para oferecer um atendimento humanizado e especializado à s pessoas trans e travestis, Fernando é o responsável pelo projeto Atendimento Clínico Transaúde que atende trans e travestis todas à s sextas-feiras. Oferecemos na estrutura do posto, com uma estagiária de Psicologia rodas de conversa e encontros entre pessoas trans e travestis. Além disso, há o atendimento clínico no nível da atenção básica. A maioria das demandas são para orientações de usos de hormônios, avaliações pós-operatórias, procedimentos ginecológicos para homens e mulheres trans além de travestis. As marcações são feitas através do e-mail.
Veja abaixo a lista de alguns lugares no Brasil que atualmente estão habilitados para realizar os atendimentos ambulatoriais. Segundo o Ministério da Saúde os atendimentos nesses locais são para qualquer pessoa de qualquer estado do Brasil.
Porto Alegre
Endereço:Â Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Universidade Federal do
Rio Grande do Sul/ Porto Alegre (RS) – Atendimento ambulatorial e hospitalar.
 Telefone: (51) 3308-6000
Rio de Janeiro
Endereço: Universidade Estadual do Rio de Janeiro – HUPE Hospital Universitário
Pedro Ernesto/ Rio de Janeiro (RJ). Atendimento ambulatorial e hospitalar.
Telefone: (21) 2868-8000
São Paulo
Endereço:Â Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina FMUSP/Fundação
Faculdade de Medicina MECMPAS “ São Paulo/SP – Atendimento ambulatorial e
hospitalar. Telefone:Â (11) 3061-7000
Goiânia
Endereço: Hospital das Clinicas – Hospital das Clínicas da Universidade Federal
de Goiás/ Goiânia (GO) – Atendimento ambulatorial e hospitalar.
Telefone:Â (62) 3269-8200
Recife
Hospital das Clínicas/Universidade Federal de Pernambuco/Recife/PE –
Atendimento ambulatorial e  hospitalar. Telefone: (81) 2126-3633
Rio de Janeiro
Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (IEDE) – atendimento
ambulatorial. Telefone:Â (21) 2332-7159
Uberlândia
Hospital das Clínicas de Uberlândia – atendimento ambulatorial.
Telefone:Â (34) 3218-2111
São Paulo
Centro de Referência e Treinamento (CRT) DST/AIDS – Telefone (11) 5087-9911
Curitiba -Â Centro de Pesquisa e Atendimento para Travestis e Transexuais (CPATT) do Centro Regional de Especialidades (CRE) Metropolitano- atendimento ambulatorial
FONTE: correio24horas – MeSalte
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