
LUTO – Experiência, Mitos e Superação
A experiência do luto
Superar o luto requer tempo e um grande esforço pessoal.
A biografia de cada um de nós está cheia de uma sucessão de perdas e separações, que nos lembram da temporalidade de qualquer vínculo ou relação e de toda realidade, seja de forma consciente ou inconsciente.
O luto é a reação psicológica que aparece frente a uma perda; a dor emocional de ter perdido algo ou alguém significativo em nossas vidas. Esta reação psicológica não tem apenas componentes de caráter emocional, mas também fisiológicos e sociais.
Quando falamos de forma cotidiana sobre o luto, na maioria da vezes o associamos com a morte, mas este processo também pode ser visto frente à ruptura de uma relação, a perda de um trabalho ou a perda de um objeto relacional com o qual tínhamos um vínculo forte. Portanto, o processo de luto significa que, em função da perda, deveremos nos adaptar a uma nova vida sem essa pessoa ou coisa, sendo que o seu desenvolvimento passa pela reconstrução de significados.
Normalmente, o luto se resolve de forma natural quando entendemos que é um processo normal limitado no tempo, avançando a sua evolução em direção a superação, podendo fortalecer a nossa maturidade e crescimento pessoal. Mas do mesmo jeito que se reconhece que é um processo “natural” que implica grande sofrimento para a maioria das pessoas, também sabe-se que esse processo pode se complicar com outros, chegando a produzir transtornos se os sintomas se mantiverem no tempo e afetarem o desenvolvimento da vida diária, sendo que algumas pessoas ficam estancadas em alguma fase, sem chegar a se desprender nem se despedir daquilo que perderam.
É difícil dizer quando realmente o luto terminou, ainda que se considere um momento chave aquele em que a pessoa é capaz de olhar para trás, isto é, para o seu passado e lembrar-se com afeto sereno e tranquilo, com saudade mas sem dor, da pessoa que se foi e da sua história compartilhada.
Normalmente a elaboração de todo esse processo tem uma duração que compreende de um a dois anos, dependendo de cada pessoa, da proximidade e da qualidade do vínculo que existia.
Elaborar o luto
A elaboração do luto passa por diferentes etapas, nas quais podem predominar emoções muito dolorosas. Estas etapas não se entendem como períodos fixos e organizados, ao contrário tendem a se sobrepor, contendo uma mistura de emoções e respostas.
Worden descreve as tarefas que a pessoa deverá levar a cabo no luto, como fundo terapêutico de todo o processo:
1) Aceitar a realidade.
2) Experimentar a dor.
3) Se adaptar a um mundo no qual o desaparecido está ausente.
4) Reposicionar emocionalmente o falecido e olhar para o futuro.
O que podemos fazer para processar o luto?
– Aceitar e compreender que o luto é um processo natural que leva o seu tempo, sem tentar apressá-lo. Poder enfrentar a perda e atravessá-la de uma forma adaptativa nos gera maior confiança, desenvolvendo novos aspectos e mecanismos.
– Não resistir à mudança. Acontece uma transformação frente à perda de pessoas e papéis que ocupam um lugar central em nossas vidas. O melhor é abraçar essas mudanças, aproveitando as oportunidades que se apresentam para o crescimento, ao mesmo tempo em que reconhecemos os aspectos nos quais nos sentimos empobrecidos.
– Expressar nossas emoções e sentimentos. Comunicá-las, não reprimi-las e, se for necessário, procurar ajuda de um profissional.
– Estar rodeado de vida, ativar nossas relações sociais, aprender algo novo ou fazer atividade física por exemplo, de acordo com a nossa idade e condição de saúde.
– Procurar novos sentidos para a vida, criar e desenvolver projetos.
Quando procurar ajuda?
A dor, o sofrimento e os transtornos que acompanham o luto não têm nada de “anormal”, mas existem certos sintomas que indicam que deveríamos consultar um profissional, ainda que a decisão final seja de cada um.
Segundo, Robert A. Neimeyer, você deve considerar seriamente a ideia de falar com alguém sobre o seu luto se apresentar algum dos seguintes sintomas:
– Intensos sentimentos de culpa.
– Pensamentos de suicídio.
– Desespero exacerbado.
– Inquietude ou depressão prolongada.
– Sintomas físicos (perda substancial de peso, sensação de ter uma faca cravada no peito, etc.)
– Ira descontrolada.
– Dificuldades contínuas de funcionamento.
– Abuso de substâncias
Ainda que qualquer um destes sintomas possa ser característico de um processo normal de luto, a sua continuidade por tempo prolongado deve ser motivo de preocupação e atenção para consultar um profissional.
A elaboração do luto significa se colocar em contato com o vazio deixado pela perda do que não existe mais, valorizar a sua importância e suportar o sofrimento e a frustração que comporta a sua ausência.
Mitos sobre o luto: armadilhas comuns no gerenciamento das perdas
Existem tantos lutos quanto perdas significativas, e cada pessoa os experimenta de maneiras muito diferentes. No entanto, como acontece em torno de muitos fenômenos, há alguns mitos sobre o luto que precisam ser esclarecidos, especialmente porque eles condicionam, e muito, as emoções que acompanham o próprio luto.
Muitas das crenças que aprendemos ao longo da vida são formadas por mitos sobre o luto que nos tornam vulneráveis. O fato de nos tornarmos conscientes de que a dor produzida pela perda não nos enfraquece nos ajuda a entender essa resposta humana e adaptativa como algo natural.
Mitos sobre o luto
As perdas e tudo que elas envolvem fazem parte da vida. No entanto, o pesar que acompanha a perda é, muitas vezes, mal interpretado. Por isso, é necessário rever aqueles mitos sobre o luto que continuam presentes de algum modo no inconsciente coletivo:
- Você precisa ser forte.Precisamos descartar a ideia de que a tristeza é um sentimento que pertence aos fracos, às pessoas com pouca resiliência. Para não projetar essa imagem de fragilidade, colocamos máscaras enquanto nos desmoronamos por dentro. Além disso, fazemos isso tão bem que tornamos o exercício da empatia impossível, por isso é muito mais complicado para qualquer um nos ajudar.
- O luto é como uma depressão.É verdade que ambos compartilham determinadas manifestações, como choro, tristeza profunda, apatia, desapego… Mas, lembre-se de que o luto é uma reação normal diante de uma perda significativa.
- O luto só acontece quando um ente querido morre.O luto é uma resposta normal à experiência de perda de qualquer tipo. Um relacionamento, um animal de estimação, um estado de saúde, um objeto, são outros tipos de perdas que podem motivar um processo de luto. Muitas vezes esses outros tipos de luto são ainda mais silenciados, menos reconhecidos, mais incapacitantes.
- A medicação é necessária para aliviar a dor e a ansiedade associadas ao luto. O luto não é uma doença que deve ser curada e as emoções associadas são completamente normais. Em alguns casos a medicação pode ser indicada, mas os sintomas normais são sinais de que a paciência e a compreensão são necessárias.
- É melhor não falar no assunto.Os amigos acreditam que a melhor maneira de ajudar é evitar o assunto e tentar distrair a pessoa. No entanto, a verdade é que as pessoas que estão sofrendo geralmente querem e precisam falar sobre a sua perda.
Outra crenças errôneas sobre o luto
- Se você não chora, não está triste com a perda. Chorar não é a única resposta para uma perda ou uma manifestação necessária de tristeza. As pessoas podem sentir uma dor muito profunda e mostrar isso de outras formas.
- O luto é um processo linear.É verdade que muitos autores encontraram fases comuns no processo de luto, mas o luto é um processo de elaboração pessoal.
- O luto e a perda são a mesma coisa. O luto se refere à própria experiência e constitui uma resposta pessoal diante de uma perda. A perda é a expressão externa do luto, isto é, a resposta social que compartilhamos abertamente com os outros.
- Quando a morte é “natural”, não gera luto. A morte de uma pessoa mais velha pode ser mais esperada; entretanto, isso não significa que o processo de superação dessa perda seja menos profundo.
- Você precisa seguir em frente. À medida que nos adaptarmos ao processo de luto, retomaremos a nossa vida, mas a relação com a pessoa morta sempre permanecerá em nossa memória e em nossos corações.
- Quem mais chora é quem mais sofre:o luto não se reduz à tristeza e lágrimas. Este processo também envolve culpa, raiva, medo, vergonha, etc. Também podem surgir momentos de alegria e paz, entre outras coisas.
- O tempo cura tudo.O luto é uma resposta adaptativa que nunca termina; aprendemos a conviver com ele com o passar do tempo. Apesar disso, algumas emoções podem ressurgir a qualquer momento quando nos lembramos da nossa perda.
- Um prego tira outro prego.Frases do estilo “há muitos peixes no mar” nos ensinam que, para superar uma perda, devemos substituí-la, mas este é um grande erro. A substituição não proporciona o alívio que procuramos.
- É melhor não conhecer os detalhes do evento ou ver o corpo do falecido. Conhecer os detalhes relacionados à morte do ente querido ajuda a aceitar a realidade da perda e a reduzir possíveis confusões e falta de informação. No entanto, é verdade que em alguns casos muito impactantes é aconselhável explicar verbalmente e com tato o que aconteceu.
- Acreditar que ver o falecido significa que você está ficando louco ou à beira da depressão.Especialmente no início do luto, é muito comum ver ou sentir a pessoa falecida. No entanto, é importante prestar atenção aos sinais que mostram uma alteração no processo de luto e procurar ajuda profissional, se for necessário.
- Quanto mais amor a pessoa tinha pelo falecido, mais doloroso é o luto.Não existem regras que expliquem como é o processo de luto, pois é uma experiência que depende de muitos fatores, não apenas do amor que se perdeu.
- A pessoa que sofre uma perda deve retomar as suas atividades imediatamente:quanto mais ocupada, melhor. Não é bem assim. É conveniente que a pessoa tenha algum tempo para refletir e vivenciar essa perda. Um retorno muito rápido às atividades diárias pode afetar o processo do luto.
- As crianças não têm capacidade para compreender a morte e o processo de luto;é melhor negar tudo e protegê-las dessa realidade. As crianças captam muito bem as reações emocionais das pessoas, e pensar que elas não entendem o que está acontecendo é um grande erro. É importante que as crianças passem pelo processo de luto ao mesmo tempo que o restante da família.
Quebrar os mitos sobre o luto é muito importante para ajudar as pessoas a lidarem com esse processo tão natural. O caminho que nos conduz à cura da dor provocada por uma perda implica caminhar até essa dor. Permitir-nos sentir e expressar o que estamos sentindo é a melhor forma de lidar com o luto.
Terapia do luto: como enfrentar o adeus
A morte e perda de alguém querido é um processo muito duro pelo qual já passamos ou passaremos em algum momento. É verdade que nem todas as pessoas contam com os mesmos recursos ou ferramentas para enfrentá-la, porém, em algumas ocasiões este processo se torna crônico e se converte em um problema sério. Nestes casos, a terapia do luto pode nos ajudar.
Estima-se que isso ocorra entre 10-20% das vezes em que se atravessa um luto. Para estes casos existem diferentes técnicas, respaldadas por diferentes estudos, que podem ajudar a superar este estado no qual todos podem ficar “prisioneiros”. Entre elas, vamos falar da lamentação dirigida. Por outro lado, e antes de mais nada, vamos tentar diferenciar um luto normal de um luto patológico, e vamos fazê-lo motivados por uma pergunta: até que ponto tanto sofrimento é normal?
Luto normal e luto patológico
O luto é um conjunto de reações a nível físico, emocional e social, que se desencadeia depois de uma perda significativa: em nosso caso, a morte de um ser querido. Os sintomas podem oscilar no nível de intensidade e duração, em alguns casos chegando a se prolongar durante toda a vida. Em qualquer caso, lembre-se de que, a princípio, trata-se de uma reação adaptativa.
O luto, a tristeza e a ansiedade são os sentimentos mais comuns, nessa mesma ordem, além do medo e da solidão. Também podem aparecer sentimentos de culpa e redução do interesse por tudo que rodeia a pessoa. O normal é que estes sintomas desapareçam em um prazo que oscila entre os seis meses a um ano.
Quando as reações emocionais são muito mais intensas, dificultam o seguimento da vida diária e duram mais de um ano, podemos falar de luto patológico. Nestes casos também aparecem sintomas pouco comuns, como podem ser as alucinações (visões ou vozes do falecido) ou as ideias suicidas. Este processo costuma se complicar, além disso, por outros comportamentos como o isolamento social, o descuido pessoal ou o consumo de substâncias. É neste caso que é bom procurar a terapia do luto para que os profissionais possam ajudar.
A terapia do luto: estratégias terapêuticas
No tratamento do luto patológico são utilizadas tanto terapias individuais quanto terapias em grupo. Inclusive, já foi comprovado que em alguns casos é muito útil usar ambas. Trata-se de potencializar os recursos individuais de cada pessoa, mas também de oferecer o apoio social necessário para acabar com o isolamento.
Em qualquer caso, o objetivo principal da terapia do luto não é esquecer o falecido, e sim transformar o processo para que a lembrança da pessoa não cause um bloqueio. As metas fundamentais desta terapia seriam, portanto, as seguintes:
- Facilitar a expressão de sentimentos e experiências em relação à pessoa falecida. Em muitos casos, a pessoa guardou silêncio e não colocou em palavras o que sentia ou pensava, dificultando a superação da morte.
- Dialogar sobre as circunstâncias que levaram à morte. Muitas vezes, dependendo do tipo de morte que ocorreu (suicídio, atentado terrorista, etc), o luto se torna mais doloroso. Falar sobre isso facilitará a assimilação e a aceitação.
- Centrar a terapia nasolução de problemas cotidianos e readaptação à vida diária normal. Através de pequenos passos diários são obtidos grandes resultados.
- Projetar o paciente até o futuro, fazendo com que gradualmente volte a incorporar atividades gratificantes em sua rotina. Isso fará com que o paciente sinta que, apesar de tudo, ainda existem coisas que podem fazê-lo se sentir bem.
A lamentação dirigida como terapia do luto
Esta terapia é utilizada em pessoas que estão passando por um luto psicológico com comportamento de esquiva, bloqueio emocional e re-experimentação em forma de pesadelos ou pensamentos invasivos. Neste sentido, cabe indicar o papel que pode ter a lamentação dirigida. Consiste em expor a pessoa a lembranças que se relacionam com o falecido, especialmente a experiências compartilhadas.
Por exemplo, costuma-se utilizar a leitura de cartas ou a apresentação de um álbum de fotos. Trata-se, em todo caso, de romper com a inibição emocional disruptiva. O mecanismo subjacente que faz com que este tipo de terapia funcione é o enfraquecimento da resposta emocional condicionada (tristeza) mediante a apresentação repetida de estímulos que geram a mesma resposta. Ou seja, fazemos com que o paciente se exponha ao que lhe gera tristeza repetidas vezes até que a emoção, diante da apresentação frequente, se reduza em intensidade.
Esta exposição repetida também pode ser conduzida por comportamentos gratificantes, que foram deixados de lado porque lembravam a pessoa falecida. Por exemplo: ir ao cinema, viajar, sair para jantar, etc. Nestes casos, também servirá como mecanismo subjacente da terapia a própria gratificação da atividade.
Indicadores de recuperação depois do luto patológico
Como podemos saber que a terapia de luto funcionou? Quais comportamentos determinam a recuperação depois do luto patológico? A seguir listamos uma série de indicadores ou sinais que nos permitem diferenciar tal recuperação:
- A pessoa recobrou as constantes biológicas com relação ao apetite e o sono.
- Reaparece a expressão verbal dos sentimentos e as expressões afetivas, como os sorrisos ou os abraços.
- O sujeito já se envolve em comportamentos gratificantes, retoma sua vida social e inclusive participa em atividades de voluntariado para ajudar os outros.
- A lembrança do falecido já se integra como parte da história pessoal sem desencadear excessivas emoções negativas. São evocadas experiências positivas vividas com a pessoa que já não está.
- Desfruta-se da vida cotidiana e são estabelecidas metas futuras.
O luto é um processo normal que requer uma preparação pessoal que nem sempre é fácil de ser realizada. Em qualquer caso, conhecer o luto patológico e algumas das soluções terapêuticas pode nos ajudar a identificar e enfrentar o último adeus, além de nos motivar a buscar a ajuda de um profissional no caso de precisar dela.
FONTE: amenteemaravilhosa